sexta-feira, 24 de junho de 2011

A SAUDE NO SECULO XXI

A Saúde no Século XXI



Saúde e doença estão ligadas à vida e à história dos seres humanos desde os seus primórdios. A história, por sua vez, narra os acontecimentos, ações e fatos acerca da evolução da terra e da humanidade. Através deste conhecimento, acessamos nossa existência anterior, entendemos o presente e preparamos o amanhã.  A antevisão do futuro visa a alterá-lo com ações presentes. Na saúde essa antecipação é de fundamento.



No século XV, iniciou-se na Europa o modo de vida que foi denominado Renascimento. Até esta época, o ser humano vivia do trabalho dos seus músculos no cultivo do solo e na pecuária. A partir do Renascimento, começa a mecanização do processo do viver e o início da Civilização Urbana, mudando intensamente a vida no planeta. Surge, então, a raiz de novos sistemas econômicos, entre eles o capitalismo, o qual se consolidou e se tornou hegemônico nos séculos XIX e XX. Na medicina, grandes avanços e descobertas foram alcançados neste período.



O conhecimento médico cresceu exponencialmente no século XX. Desvendaram-se o DNA e o código genético, desenvolveram-se o RX, os antibióticos, os transplantes de órgãos humanos, a ultrasonografia, a tomografia e a ressonância magnética, além de um grande número de drogas, medicamentos e próteses ortopédicas, oftalmológicas, neurológicas e cardíacas. Essas mudanças se deram especialmente após o fim da segunda guerra mundial em 1945. A humanidade sentiu essas alterações a partir do ano de 1960 e, no Brasil, isso ocorreu de modo intenso nos últimos trinta anos.



As indústrias que atuam no ramo da saúde vêm trabalhando fortemente neste mercado, buscando o lucro e retorno de seus investimentos. O setor de saúde, enquanto prestador, por sua vez, demorou a entender os acontecimentos e só começou a mudar por volta do ano 2000. Houve uma perda de tempo grande e também resistência, por parte dos hospitais e dos médicos tentando manter o mesmo status do setor e criticando a comercialização da medicina. À classe médica faltou enxergar a entrada, ocorrida há tempos, do capitalismo na medicina.



O setor de saúde vinha sendo gerido amadoristicamente. Devido às peculiaridades sociais dessa área e ao forte apelo altruísta, nós a desconsiderávamos enquanto negócio. Essa maneira amadora de administrar não priorizava os resultados financeiros exigidos por essa atividade. A grande evolução tecnológica elevou o custo da saúde e faltava dinheiro para manter o hospital atualizado. Como se vê, estava sendo montado o ambiente para as atuais dificuldades.



Inexoravelmente, vemos que o setor da saúde está se incorporando ao sistema capitalista, desprendendo-se em parte de sua visão unicamente social. Procuramos nos adaptar às circunstâncias não obstante sem perder a característica ética da medicina. Indubitavelmente, a tecnologia trouxe benefícios. Uma cirurgia videolaparoscópica diminui a agressão cirúrgica e o tempo de internação, o que, por pressuposto, deveria ter um custo mais baixo. No entanto, isso não ocorre porque os custos com os aparelhos, instrumentais cirúrgicos e materiais descartáveis absorvem essa economia e avançam também sobre os honorários médicos e as taxas e diárias hospitalares. 



A responsabilidade do baixo honorário médico normalmente é atribuída à fonte pagadora, que no caso da saúde suplementar são os planos de saúde. É mais fácil fazer isso, pois estes estão próximos, no entanto, responsabilizar apenas um dos participantes pode trazer danos irreparáveis ao setor.  Hoje um plano de saúde bem administrado tem um ganho de 3% a 4% ao ano. Se ele não tiver escala torna-se inviável. A cadeia de valores da saúde identifica que o ganho é desproporcional entre os diversos agentes do setor. As entidades médicas, a imprensa e a sociedade olham apenas um viés que são os planos, porém quem tem garantido a aplicação dessa tecnologia e inovação na saúde no Brasil são os planos. Mesmo com baixos honorários, a sobrevivência da classe médica e demais prestadores de serviços está atrelada aos planos de saúde. É preciso então ampliar o campo de visão.



Além das inovações tecnológicas, outros fatores contribuíram para aumentar o custo da saúde. Com a urbanização do Brasil, mais pessoas passaram a ter acesso ao atendimento médico. Usando a linguagem econômica, aumentou o “consumo” de saúde. Nas últimas décadas, surgiu um novo país com grandes mudanças: o número de filhos das famílias diminuiu, a mortalidade infantil caiu, o tempo médio de vida aumentou. Passamos por uma mudança do perfil epidemiológico com essas alterações demográficas. Está havendo o envelhecimento populacional com o aumento as doenças crônicas e degenerativas e o crescimento de seu custeio. As inovações tecnológicas, o acesso ao atendimento e o crescimento médio de vida da população são bem vindos. O que precisamos saber é como custeá-los.



O nível de vida da população vem melhorando. Contribuíram para isto a medicina, a engenharia com o saneamento básico, o aumento da produtividade no agronegócio barateando os alimentos, a melhora e o financiamento das moradias, a educação, além dos direitos sociais conquistados pela população. Mesmo assim o Brasil não possui infra-estrutura para assegurar de modo digno o envelhecimento populacional.



O custo da saúde sai da caneta do médico. Portanto, o seu papel tem também que ser repensado. Começando pelas escolas de medicina que não preparam o aluno de forma que ele possa exercer de modo eficaz e eficiente a profissão.  Grande parte dos acadêmicos termina o curso e não tem acesso a uma residência médica adequada. Tornam-se médicos inseguros e apóiam suas atividades quase sempre em exames complementares em busca de uma medicina defensiva.  Apresentam complicações freqüentes em seus tratamentos e acarretam um custo grande para o sistema, por vezes até prejudicando a saúde do paciente. Novas escolas de medicina aumentam o número de profissionais e contribuem para o achatamento salarial da classe. Formas destorcidas de melhoramento de honorários médicos também são custos indevidos, que prejudicam financeiramente o sistema e abalam a credibilidade da classe médica.

Os hospitais, por sua vez, retiram a maior parte de seus ganhos em cima da cobrança do uso de órteses, próteses, materiais e medicamentos. Esse modo de ganhar está enraizado atualmente e há grande resistência em mudá-lo. Os serviços prestados pelos hospitais são representados por taxas e diárias e, portanto por estes deveriam receber, e bem.   A defasagem dos pagamentos de diárias e taxas contribuiu mais ainda para a distorção da forma de remuneração por estes serviços. A contínua profissionalização dos hospitais com a melhora da gestão e diminuição do desperdício se faz urgente. Devido à logística difícil para colocar os produtos nos hospitais, foi incorporado na cadeia de valores da saúde o representante comercial para fazer este papel. Houve o acréscimo de custo. Pode ser através dessas empresas que favores a alguns médicos são distribuídos repassando estes custos às fontes pagadoras. 



Quem paga um plano de saúde desafoga o setor público do seu atendimento. Mesmo que o cliente tenha a renúncia fiscal no imposto de renda, esse valor é pequeno diante do custo da medicina. A assistência à saúde é uma obrigação constitucional do governo. No entanto, o custo do plano de saúde é sobrecarregado com taxas e impostos. Essa atividade deveria ter a cobrança de imposto reavaliada e esses fatores reconsiderados.



A regulamentação é fundamental na área de saúde. O governo tem que intervir. O consenso de Washington, que preconizava que o mercado se equilibra sozinho, já se esgotou. Devemos nos amparar no novo Keynesianismo, que acredita no mercado, mas com a supervisão do governo. O que não deveria acontecer é o órgão regulador exagerar na dose, editando resoluções normativas e aumento de rol de procedimentos para cobertura contratual retroativa sem avaliar o impacto nos custos.



Não há perspectiva de o governo assuma sozinho o custeio da saúde. Falta dinheiro, pois só de juros de sua dívida pública o Brasil paga 230 bilhões ao ano, correspondente a 5,6% do nosso PIB. A população precisa saber que o plano de saúde é uma poupança que lhes pertence e será usada em algum momento de sua vida. O cliente deve e pode exigir seus direitos sem ferir o contrato assinado. O plano, por seu lado, tem que cumprir o contrato em vigor sem protelações. Este é um pilar básico em que se assenta o sistema capitalista. Evita-se, com isso, o processo da judicialização da medicina, que aumenta o custo do setor com benefícios para os advogados. O judiciário deve, por sua vez, se pronunciar quando solicitado dentro da lei e dos contratos em vigor e não passando por cima dos mesmos.



O que descrevemos até aqui foi o diagnóstico, baseado nos acontecimentos na área da saúde, que fundamentalmente, vem elevando os custos do seu financiamento. È necessário um tratamento. Se nada for feito, os preços continuarão subindo e grande parte da população brasileira ficará de fora desses benefícios.



Esta fase que o país atravessa de mudança do perfil demográfico traz, entre outros ganhos, o chamado bônus. O bônus é o período de evolução demográfica de um país em que as pessoas em idade de trabalhar crescem mais que os dependentes. Existem estudos demonstrando que este fator pode elevar o valor do PIB per capita em 2,5 pontos percentuais. O impulso ao PIB per capita ocorre porque o número de trabalhadores cresce mais do que a população como um todo. Este período não persiste para sempre e estudos indicam que esta fase vai perdurar até o ano de 2025. Como mostra o Banco Mundial, a população idosa aumenta sua poupança. O que é benéfico para o Brasil carente nesta área. A reserva de parte desta poupança para a aposentadoria e saúde precisa ser incentivada inclusive com benefício fiscal.



Desde o início de minha carreira profissional, como diretor de hospital, penso que o modelo de atenção à saúde no Brasil deveria ser aprimorado. O atendimento a saúde baseado apenas na doença é muito precário e caro. O foco, concentrando-se apenas na doença, não é ideal para o cliente, o custo fica muito elevado e os resultados não são satisfatórios. Com o programa de desenvolvimento da saúde, já publicado em livro, penso ter contribuído para a construção de valor em saúde, iniciando um processo de mudança com estímulo a uma nova postura de atenção e promoção da saúde. A cultura em tratar a doença e deixar de promover a saúde é muito forte e é difícil implantar mudanças neste sentido. No entanto, considero vital para a saúde a sua promoção e a prevenção, contribuindo para a redução de agravos e para a qualidade de vida. No entanto, penso ser também indispensável a educação para a saúde como um atributo do cuidado. O paciente deve ser ativo na promoção, prevenção e manutenção da sua saúde e deve estar sujeito a algum mecanismo de responsabilização.



Uma coisa é certa: o atual modelo de atenção está esgotado. Mesmo ignorando e negando essa situação, a realidade demonstra que adiar o enfrentamento do problema vai atrasar e dificultar a solução. Este modelo de atendimento médico já está se transformando em história. Em sua fase inicial, a causa das doenças em geral era desconhecida. Era incerto o resultado do tratamento, com base no empirismo e sustentado no conhecimento de grandes médicos que transmitiam suas experiências aos seus alunos e assistentes. O professor tinha sua escola e conduta em seu local de trabalho. Hoje, percebe-se que cada paciente é único e manifesta seus distúrbios de maneira distinta. Os hospitais tratavam, e ainda tratam doenças diversificadas. Por outro lado, devido à avalanche de conhecimento, os médicos se especializaram, perdendo a noção integral do paciente e da doença. O modelo de pagamento de honorários médicos é baseado no serviço, independente do resultado alcançado, sem ser medido. Há uma mistura do novo e do antigo na saúde atualmente. Hoje, por exemplo, o tratamento de doenças complexas é feito por meio de protocolos e não pelo conhecimento de apenas um médico. Esses protocolos resultam de muito estudo e são elaborados por equipes de profissionais. Houve uma profunda mudança no tratamento dos pacientes.



Precisamos resistir e lutar para manter a ética médica. Devemos incorporar mudanças que produzam ganhos para os clientes e médicos. Temos que aumentar nosso conhecimento em gestão. O modelo de atenção à saúde precisa mudar, assim como a forma de pagamento. O pagamento por desempenho está chegando. Os protocolos em medicina são irreversíveis. Os hospitais e os profissionais da saúde terão, em algum momento, que publicar seus resultados assistenciais e os pacientes poderão consultá-los, na hora de escolherem seus médicos.


Podemos enfim concluir: mudanças fundamentais na saúde estão ocorrendo e continuarão a acontecer inexoravelmente e, mesmo com muitas resistências e dificuldades, devem ser encaradas com seriedade, coragem e ética.



  




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